quinta-feira, 19 de maio de 2011

Uma flor no Campo Alegre de Deus


D. Laura se estivesse aqui conosco estaria completando 96 anos de idade hoje, 19 de maio. Mas aos 80 anos foi morar com Deus.
Essa mulher forte, viúva muito cedo, mãe de 5 filhos, batalhadora, honesta, humilde, marcou a vida de todos que a conheceram.
A imagem de uma galinha com seus pintinhos talvez seja uma boa comparação, pois até o fim de seus dias era provedora de carinho, de colo, e também das pequenas necessidades dos filhos e netos. Ela acodia todo mundo. Era fonte inesgotável. O colo dela era imenso, pois agasalhava todos os netos. O pouco dinheiro que tinha se multiplicava, pois sempre tinha uma reserva para uma emergência. Se meus irmãos, tios e primos lerem o que escrevo, vão concordar comigo.
Nasceu no campo. Viveu na roça. Seu corpo foi marcado pelo sol. Sempre acordou antes do sol nascer. Cruzou a viagem da sua existência com dignidade, sacrifício, trabalho e se abundou com o que há de mais sagrado: a vida e o amor. A vida, pois por causa dela nós estamos aqui. Filhos, netos, bisnetos, e hoje tataranetos que nem a conheceram. Amor, porque foi isso que plantou. E colheu. Deu e recebeu amor demais! Amou tanto que hoje seu amor continua. E o amor que sentimos por ela é eterno. É o que nos mantém unidos. É o que faz com que sintamos a sua presença ainda hoje. O amor é a ponte pela qual somos ligados.
Minha avó me fez acreditar no que as mães sempre dizem: que amam todos os filhos e netos com a mesma intensidade.
Era mulher simples. Fazia pratos maravilhosos com aquelas mãos habilidosas. Sabia trabalhar com o algodão e com a lã de carneiro. Ainda temos cobertas tecidas por ela e mantemos sob o olhar vigilante a roca de fiar. Sabia fazer farinha de mandioca, pamonha e essas iguarias que hoje a gente compra pronto e nem sabe como se faz. Sua flor preferida eu acho que era o cravo. E, dentre tantas coisas, era minha companheira de chá...

                                                                                                 clique na foto para ampliar

Aqui falo um pouco da minha experiência. Minha relação com ela foi muito forte. Intensa. Ela marcou demais a minha vida e da minha maneira procurei viver esse amor entre vó e neto da melhor forma. Se ela oferecia colo para todos os netos, lhe ofereci o meu muitas vezes. O engraçado é que ela ficava um pouco constrangida no começo, mas adorava, eu sei. Esses momentos foram maravilhosos! O neto pegar a vó no colo pra conversar, balançar...
Dentre tantos momentos marcantes eu escolho os que tivemos ao redor do chá. Essa chaleira da foto continua em minha casa sobre o fogão (sempre ali). É um sinal visível de momentos que marcaram nossas vidas. Me esperava chegar da faculdade para tomarmos juntos um chá e conversar. Às vezes todo mundo já dormia e nós dois ali, num chá com conversa. Colo. Chá. Alegria. Amor. Saudade. Até que num dia de inverno ela foi morar com Deus. Foi, mas também ficou. Seu lugar está preservado aqui no meu peito, na minha memória. E sei que é assim para toda a família.
Hoje ela é uma flor do Campo Alegre de Deus. E junto Dele, olha por todos nós. Por que eu acredito assim, que quem ama, quando morre ama ainda mais. Quem cuida, quando está com Deus, cuida ainda mais. Quando morremos o melhor de nós é multiplicado.
Na despedida, recebi uma carta de uma grande amiga. Aliás uma amiga muito especial, a Thalita. Ela não esteve presente mas me enviou suas palavras e seu coração. Carta que li, reli, e que me fez chorar muito. É essa carta da foto. Depois daqueles dias nunca mais reli. Mas ela esteve todos os dias comigo. Ficou guardada esses anos todos na minha carteira. Aliás, nunca saiu dali. Foram 16 anos. Foram tantas carteiras. Só era retirada de uma carteira para ser transferida para outra. Viajou comigo por esse mundo. Esteve comigo em todos os lugares e momentos. Trabalho, passeios, encontros, despedidas, alegrias, tristezas, anos após ano.  Hoje a retirei da carteira. De tão surrado, o papel está rasgado. Mas aquela folha de papel continua com um valor imenso. E hoje eu vou reler. Depois de 16 anos. E vou brindar à minha vó, pela sua vida!
Não me lembro de tudo que está escrito nesta carta. Mas algumas coisas permaneceram. A Thalita falava do cheiro, do olhar, do toque. E tudo isso eu ainda tenho guardado. O cheiro do cabelo, a textura da pele, o timbre da voz, o olhar profundo e verdadeiro. Depois de hoje, a carta vai voltar pra carteira...e continuar comigo. Vai continuar sendo um sinal físico do que acredito com o coração, de que está sempre comigo.

Minha querida vó Laura, quero lhe dizer que nosso amor continua. Ele é tão grande que é capaz de cruzar a fronteira que nos separa. Ele é tão eterno que é presente, e se mantém nas novas gerações. Sabemos que está com Deus, viva, e junto com você continuamos sendo uma família feliz, completa. Parabéns!”

Com amor. Muito amor.

2 comentários:

  1. toninhapereira41@hotmail.com20 de maio de 2011 às 11:43

    Oi Silvio,
    Linda homenagem para a vozinha, realmente ela era merecedora de todo esse carinho, aliás, ainda é porque continua viva em nossos corações e pensamentos, nunca deixaremos de amá-la. Parabéns, vc foi feliz nessa iniciativa. Beijos.Toninha

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  2. Qué lindas palabras, me emocionaron mucho! Qué linda que era tu abuela, con una mirada tan profunda. Qué bendición es para tí haber contado con ella, haber aprendido tanto de ella, de su amor, de su sencilléz, su generosidad y entrega a toda su familia. Me los imagino compartiendo el te por las noches y conversando sobre la vida. Pero también me la imgino acompañándote hoy en Campo Alegre, disfrutando de ese Paraíso a tu lado. Yo creo que la gente que nos quiere bien siempre está con nosotros, nunca nos deja y parte de ella sigue viviendo en nosotros. Creo que parte de Laura está en ti, en tu amor por Campo Alegre, y te llevo a construirlo así. Mi abuela aún vive y tiene 96 años, la adoro y me sentí identificada con todas tus palabras, porque eso es lo que siento por ella. Gracias

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